PSICOLOGIA DE EMERGÊNCIAS E DESASTRES
PSICOLOGIA DE EMERGÊNCIAS E DESASTRES[1]
Marina Alves Lemos[2]
RESUMO
Este ensaio trata da psicologia de emergências e desastres com o objetivo de descrever experiências relacionadas a situações de emergências e desastres que contaram com a participação de psicólogos, considerando algumas das estratégias usadas no âmbito da psicologia para a construção de referências para atuação antes, durante e após a ocorrência deste tipo de evento. A Pesquisa Bibliográfica possibilitou a identificação de alguns dos marcos da evolução da psicologia de emergências e desastres como a Década Internacional para redução de risco em desastres naturais e a Estratégia Internacional para Redução de Desastres (ISDR); de situações que revelaram a participação de psicólogos nas diferentes fases de um desastre: antes (ações de prevenção e de preparação), durante (ações de resposta ao desastre propriamente dito) e após o evento (ações de reconstrução acompanhadas com as de prevenção), além da interface da psicologia com a defesa civil.
PALAVRAS CHAVES: 1 Emergências. 2 Desastres. 3 Psicólogo. 4 Atuação da Psicologia.
ABSTRACT
This essay seeks to contribute to an understanding of emergency and disaster psychology, focusing on the description of psychologists experiences in emergency and disasters situations considering their work strategies used before, during and after a disaster. The information obtained from the bibliography has been of substantial value in facilitating the identification of key events that have influenced the development of emergency and disaster psychology such as the International Strategy for Disaster Risk Reduction (ISDR); the participation of psychologists in different phases of a disaster: before (prevention and preparedness measures), during (disaster response), after a disaster (reconstruction integrated with prevention measures), moreover the relationship between psychology and civil defence.
PALAVRAS CHAVES: 1 Emergency. 2 Disasters. 3 Psychologist. 4 Psychology Performance.
RESUMO
Este ensayo trata sobre la psicología de la emergencias y desastres en el fin de describir experiencias relacionadas con las emergencias y desastres que contó con la participación de psicólogos, teniendo en cuenta algunas de las estrategias utilizadas en psicología para construir referencias a las acciones antes, durante y después de la aparición de dicho evento. La Biblioteca de Investigación permitió la identificación de algunos de los hitos de la evolución de la psicología de emergencias y desastres como el Decenio Internacional para la reducción de riesgos en los desastres naturales y la Estrategia Internacional para la Reducción de Desastres (EIRD); situaciones que revelaron la participación de psicólogos en diferentes fases de un desastre: antes (prevención y preparación), durante (respuesta de las acciones de desastre en sí) y después del evento (reconstrucción acciones acompañadas de prevención), además de la interfaz de la psicología con la defensa civil.
PALAVRAS CHAVES: 1 Emergencias. 2 Desastres. 3 Psicólogo. 4 Atuacion de la da Psicologia.
[1] Artigo extraído do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Gestalt Terapia (TCCE), da mesma autora.
[2] Bacharel e Licenciada em Psicologia pela Universidade Salvador (UNIFACS); Especialista em Teoria e Técnica da Clínica Psicanalítica Infantil pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP); Especialista em Gestalt Terapia pelo Instituto de Gestalt Terapia da Bahia (IGTBA); Mestre em Gestão de Riscos e Desastres pela Kingston University (Londres, United Kingdon).
1 INTRODUÇÃO
Este estudo teórico/ensaio trata da psicologia de emergências e desastres com o objetivo de descrever experiências relacionadas a situações de emergências e desastres que contaram com a participação de psicólogos, considerando algumas das estratégias usadas no âmbito da psicologia para a construção de referências para atuação antes, durante e após a ocorrência deste tipo de evento.
Apesar da relevância deste tema, são escassos os estudos e pesquisas sobre o mesmo. Além disto, têm sido poucas as oportunidades para atuação do Psicólogo em situações de emergências e desastres, especialmente no Brasil, país que ainda está se estruturando nesta área. A autora deste estudo, por exemplo, se aproximou desta temática a partir do trabalho que realizou, como técnica de saúde mental, no Centro de Atenção Psicossocial de Salvador (CAPS/BA), na atenção à crise de pessoas que apresentam sofrimento mental grave e persistente.
Embora tenham sido apontados limites, algumas iniciativas vêm contribuindo com a política pública de defesa civil e construindo referências de atuação em situações de emergências e desastres. Vale ressaltar o papel do Conselho Federal de Psicologia (CFP)[3] e dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) junto à Secretaria Nacional de Defesa Civil (SNDC) na realização de Seminários Nacionais de Psicologia das Emergências e dos Desastres e da I Conferência Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária, além do atendimento às pessoas atingidas por enchentes nas regiões sul e sudeste do Brasil.
[3O Conselho Federal de Psicologia, de acordo com o disposto no art. 1, da Lei n. 5.766/71, é uma autarquia federal, regulamentada pela lei destinada a orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina desta categoria.
2 MARCOS IMPORTANTES NA EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA DE EMERGÊNCIAS E DESASTRES
Entre 1970 e 1986, a assistência em casos de desastres naturais passou a contar com a tecnologia usada na investigação no âmbito da prevenção e do controle. Ao reconhecerem a gravidade deste tipo de evento, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamaram que a Década Internacional para redução de risco em desastres naturais se iniciaria em 10 de janeiro de 1990 e se prolongaria até 1999, quando ficou claro que estes eventos são uma ameaça à estabilidade social e econômica de uma nação e que a solução seria a prevenção. O período de 2000 a 2007 se centrou na Estratégia Internacional para Redução de Desastres (ISDR), com base no Relatório Anual de Estatística de Desastres da Organização Pan Americana de Saúde (OPS) e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 2010, o terremoto que afetou o Haiti foi considerado pela ONU como um dos maiores desastres da humanidade, o qual matou mais de 200 mil pessoas. Em 2011, o Tsunami no Japão atingiu proporções inesperadas, pelo grau de destruição do ambiente e de pessoas. (Brasil, 2010).
Quanto à Psicologia de Emergências e Desastres, Molina (2011) afirma que esta vem ganhando espaço nos últimos cinco anos e ressalta alguns dos marcos da sua evolução, tais como: I Congresso Latino-Americano de Psicologia de Emergências e Desastres, em 2002, Lima/Peru; I Congresso da União Latino-Americana de Psicologia (ULAPSI), em 2005, quando o Conselho Federal de Psicologia organizou uma Mesa-Redonda com profissionais do México, Brasil e Chile; I Seminário de Psicologia de Emergências e Desastres, em 2006, em Brasília, com a participação da Secretaria Nacional de Defesa Civil (SNDC); I Encontro Internacional em Psicologia de Emergências e Desastres, em 2007, em Buenos Aires; II Congresso ULAPSI, em 2007, em Havana/Cuba, quando foi elaborada a Declaração de Princípios da nova Rede Latino-Americana de Psicologia em Emergências e Desastres.
Verona (2011) confirma que os Conselhos de Psicologia têm realizado eventos significativos nesta área, tais como: em 2009, o CFP, em parceria com ABEP e SNDC, propôs atividades de promoção da participação de psicólogos no V Seminário Nacional de Defesa Civil e na Conferência Nacional de Defesa Civil (CNDC), além de contribuir com a criação da Rede Latino-Americana de Emergências e Desastres; em 2010, o CFP, em parceria com o CRP-02 de Pernambuco, realizou Oficinas de Prática da Psicologia nas Emergências e Desastres, reforçando a atuação dos psicólogos na reconstrução das cidades atingidas pelas chuvas; em 2011, os Conselhos de Psicologia reafirmaram sua disposição de trabalhar junto com a sociedade e com os governos para prevenir tragédias como as enchentes que atingiram estados brasileiros, realizando oficinas e o Seminário Estadual de Emergências e Desastres. A seguir uma citação que reforça esta participação.
As chuvas que castigaram vários municípios brasileiros no final de 2010 e início de 2011 levaram o Conselho Federal de Psicologia (CFP) a lançar um plano de ação, articulado com os Regionais, para estudar a dimensão das emergências nos municípios atingidos pelas chuvas e empreender ações concretas da Psicologia com os afetados pelos temporais. Neste contexto, o CFP realizou, em parceria com o Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo, o seminário Psicologia de emergências e desastres na América Latina: Promoção de direitos e construção de estratégias de atuação, para aprofundar debates sobre o tema a partir de experiências brasileiras e de países latino-americanos com ações de prevenção e resposta a situações de emergências e desastres. (Conselho... 2011).
Além destes eventos, entre 23 e 25 de novembro de 2011, aconteceu, no Campus da Universidade de Brasília (UNB), o II Seminário Nacional de Psicologia de Emergências e Desastres, que contou com os Conselhos de Psicologia, profissionais do Brasil e da América Latina, além de representantes de vítimas afetadas por desastres, o que promoveu a troca de experiências no âmbito da psicologia de emergências e desastres.
3 PERFIL DO PSICÓLOGO E DIRETRIZES PARA ATUAÇÃO EM SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIAS E DESASTRES
Molina (2011) afirma que, embora a “imagem” do Psicólogo continue sendo o estereótipo clínico, a especialização acumulada no âmbito educacional e organizacional projeta este profissional em direção a trabalhos de natureza gerenciais. Como cientistas do comportamento humano, diante de emergências e desastres, a sua contribuição é importante, devendo atuar em políticas públicas, estratégias e campanhas educativas de governo orientadas para educar a população na ocorrência de desastres. Ressalta que a expressão “atendimento clínico”, bem conhecida dos psicólogos, indica o atendimento que se inclina “sobre”, não acontecendo, necessariamente, em espaços reservados, como consultórios tradicionais. Em geral, o Psicólogo que atua em emergências e desastres deve ter isto em mente e estar qualificado para ações de preparação, intervenção ou mitigação, tanto na operação como na gestão, dependendo da sua formação de base. (Brasil, 2010).
Enfim, quando se deseja compreender a aplicação da psicologia antes, durante e após situações de emergências e desastres, deve-se considerar as diferentes especialidades uma vez que cada uma tem enfoque próprio. Portanto, o perfil do Psicólogo relaciona-se com a etapa da emergência na qual ele intervém. Como exemplo, Molina (2011) defende que um psicólogo com especialização organizacional deve se sentir mais confortável realizando atividades de educação preventiva ou de gestão. Já um psicólogo clínico pode atuar em situações de crises ou trabalhando diretamente com vítimas ou com equipamentos de primeira resposta.
O Psicólogo, ao atuar em situações de emergências e desastres, deve respeitar as seguintes diretrizes: localização de serviços substitutivos ou centros de atenção psicossocial; acionamento de redes de saúde mental; sensibilização dos membros da equipe de resgate, quanto à escuta acolhedora, que estimule o compartihamento de reações difíceis; construção conjunta de estratégias de enfrentamento da dor; interação das pessoas atingidas, através de programas de saúde mental, especialmente no momento de crise, quando ainda estão ou em abrigos ou em casas temporárias; delegação de tarefas aos desabrigados, que estão com sua capacidade física preservada, para mantê-los ocupados; aconselhamentos rápidos e escuta sem pressa, com o olhar de acolhimento; permissão da livre expressão da angústia e dos medos assim como da insegurança provocada pelas perdas; atendimento a crianças e adolescentes, priorizando aportes lúdicos e de jogos; solicitação de prescrição de medicamento a médicos que integram a equipe, quando necessário. (Brasil, 2010).
A partir de experiências de outros psicólogos que atuam em emergências e desastres, Molina (2011) identifica outras diretrizes, quais sejam: conhecimento do modelo de gestão local no qual opera o dispositivo de emergência empregado; domínio de um modelo de gestão de risco; missão clara e previamente conhecida pelos diversos grupos de atuação em situações de emergências e desastres; respaldo ao dispositivo de ajuda psicossocial por alguma forma de organização institucionalizada; abordagem multidisciplinar do fenômeno “emergências e desastres”, o que significa que o trabalho de cada um deve fazer parte de um todo organizado.
4 PARTICIPAÇÃO DO PSICÓLOGO NAS DIFERENTES FASES DE DESASTRES
4.1 ANTES DO DESASTRE
O “Antes”, momento mais importante de um desastre, é quando se elabora o Plano de Contingência, com a discriminação de ações comuns a cada órgão, entidade ou indivíduo, a partir de uma hipótese de desastre. Este Plano resulta, preliminarmente, da análise de riscos, e, nele, devem estar previstas a responsabilidade de cada organização, as prioridades, as medidas iniciais a serem tomadas e como os recursos serão empregados. No caso da atuação da psicologia, o Plano deve recomendar as ações que cada Psicólogo poderá desenvolver.
Segundo a Política Nacional de Defesa Civil[4], antes de um desastre devem ser realizadas ações de prevenção e de preparação. A prevenção representa a primeira fase da redução dos riscos[5] e engloba o conjunto de ações para evitar o desastre ou diminuir as suas consequências, enquanto a preparação reúne o conjunto de ações para melhorar a capacidade de a comunidade reagir frente ao desastre . (Brasil, 2010).
Nesse momento, devem ser adotadas políticas públicas (plano diretor, zoneamentos ambientais, legislação); execução de projetos de engenharia (diques, pontes, muros de contenção); análise de risco; ação dos sistemas de previsão (meteorológica e hidrológica) e de alerta. (Marcelino, 2008).
Sob a ótica de Ventura (2011), a etapa preventiva, o “Antes”, exige que o poder público tenha conhecimento das fragilidades sociais, ambientais, habitacionais, econômicas e estruturantes do seu território, a fim de se antecipar e, de forma intersetorial, se preparar e preparar os recursos e a própria população para os efeitos das contingências.
Para atender a uma situação de desastre, a formação das equipes de trabalho em Defesa Civil (profissionais e voluntários) prevê a preservação das condições de trabalho, principalmente na etapa de resposta uma vez que as pessoas convivem com o sofrimento dos atingidos e a urgência nas ações de resgate. Nesse momento, a participação do Psicólogo é de suma importância, pois poderá ornecer esclarecimentos sobre as características das situações de crise entre os atingidos, atender na crise e contribuir para a saúde mental da equipe.
Aqui vale retomar o que se denomina crise, considerando o entendimento do desastre como crise (visão sociológica dos desastres). Nesta perspectiva, uma situação de crise ocorre quando os recursos habituais das pessoas já não são suficientes para que elas possam lidar com o problema, caracterizando-se como estado temporal de desorganização. Neste caso, a primeira ajuda psicológica é a intervenção que se oferece a uma pessoa em crise, para reduzir as tensões provocadas pela situação vivenciada.
O conceito de crise pode ser entendido como um estado temporal de transtorno e desorganização, caracterizado pela incapacidade do indivíduo para abordar situações particulares utilizando métodos tradicionais. A ênfase é no transtorno emocional e o componente cognitivo do estado de crise está na violação das expectativas das pessoas sobre a sua vida, por algum trauma, cuja reconstrução emocional pode durar até três anos, a depender de cada pessoa. Este autor destaca cinco fases da crise: evento precipitante (corresponde à ocorrência de evento inesperado, de estresse ou trauma); resposta desorganizada (são apresentados sinais de afetação e de desorganização; fase de explosão (são apresentados impulsos agressivos ou destrutivos); fase de estabilização (as pessoas começam a se acalmar à medida que encontram recursos alternativos para o manejo da situação adversa); e fase de adaptação (as pessoas buscam se adaptar à nova situação para retomarem, de forma gradual, o controle sobre suas vidas) (Sociedad...2009)
Neste caso, os psicólogos poderão avaliar as limitações do pessoal de apoio; dialogar sobre limites e possibilidades subjetivas dos profissionais em geral; contribuir no treinamento dos voluntários; e reforçar a resiliência grupal da equipe, entre outros, lembrando a todos que durante um desastre, ao entrar em contato com a vítima, é necessário estar atento à entonação da voz; ao volume, velocidade, clareza e fluidez da fala; à forma empática de contato, realizando uma escuta eficaz.
Poderão, ainda, atuar junto a outros profissionais, na prevenção, desenvolvendo atividades como: sensibilização de autoridades e de outras pessoas; capacitação de pessoas residentes em áreas de risco, para percepção dos riscos de desastres; desenvolvimento de projetos educativos e de minimização de vulnerabilidades sociais; participação no mapeamento de áreas de risco e em ações de fortalecimento das relações comunitárias; desenvolvimento de ações orientadas à promoção de uma cultura de redução de riscos de desastres; orientação quanto às consequências de comportamentos de risco, importante estratégia na prevenção de desastres. (Brasil, 2010).
[4] A Política Nacional de Defesa Civil (PNDC), aprovada, em 2004, representa o conjunto de objetivos que informam determinado programa de ação governamental e condicionam a sua execução com a finalidade de garantir o direito natural à vida, à saúde, à incolumidade, à segurança e à propriedade em circunstâncias de desastres. (Brasil, 2010).
[5] Redução do Risco de Desastres (RRD) visa reduzir os danos causados por desastres naturais como terremotos, inundações, secas e ciclones, por meio de uma ética da prevenção.
4.2 DURANTE O DESASTRE
O “Durante” corresponde ao desastre propriamente dito, sendo representado por ações de Resposta, como socorro e assistência às vítimas (evacuação, abrigo, alimentação, atendimento médico), reabilitação do cenário do desastre etc. (Marcelino, 2008).
Para a Política Nacional de Defesa Civil, a Resposta envolve o conjunto de ações que visam socorrer e auxiliar as pessoas atingidas, reduzir danos e prejuízos e garantir o funcionamento dos sistemas essenciais da comunidade.
Segundo Ventura (2011), o “Durante” marca o rompimento com a prática humanitária, voluntária e tempestiva e tem o gerenciamento do processo como elemento crucial na otimização dos recursos humanos e materiais, na logística das doações e dos atendimentos. No Brasil, os maiores investimentos têm sido nesta fase, com ênfase na capacitação e estruturação das defesas civis e de corpos de bombeiros.
Nesta fase ocorre a evacuação das pessoas atingidas. Sobre esta ação, Valêncio (2011) assinala que precisamos refletir quando fazemos a remoção de pessoas atingidas e as tratamos como objetos que são transplantados de um lado para outro. A remoção pode significar apenas a expulsão das massas e o descompromisso com o seu destino, que pode levar a uma exaustão coletiva, até que pereçam na busca vã por um chão.
Durante os desastres, em geral, os psicólogos atuam na gestão e administração de seus efeitos, especialmente nos imediatos; no atendimento às pessoas afetadas; na administração dos abrigos provisórios; e na elaboração de planos de reconstrução voltados às necessidades da população. Como não há padronização de atividades a serem desenvolvidas pelos psicólogos durante um desastre, a opção, neste ensaio, é a de apresentar resumos de três relatos que tratam da participação da psicologia: o primeiro refere-se à Psicologia Sem Fronteiras (PSF); o segundo, aos Médicos Sem Fronteiras (MSF); e, o terceiro, à ação da psicologia no reconhecimento de vítimas.
Quanto ao primeiro, Psicologia Sem Fronteiras (PSF), de acordo com Gomara (2010), ela emergiu no Brasil, em 2008, quando as enchentes atingiram os estados do sul e do sudeste do Brasil, surgindo a necessidade de criar o Programa Ajuda Humanitária Psicológica (PAHP), o qual terminou sendo apoiado por empresários e entidades civis. Nesse desastre, em particular, a “entrada da psicologia em campo” ocorreu na fase em foco e os psicólogos começaram a utilizar o “Sociodrama Construtivista da Catástrofe”, que trouxe à tona cenas dramáticas vividas pelas pessoas atingidas, possibilitando a identificação daquelas que necessitavam de assistência. Um ano após as enchentes de 2010 foi identificado que muitas das situações críticas já estavam sob controle, graças, em parte, à atuação de psicólogos.
O segundo exemplo foi relatado por Brum (2011) e refere-se à experiência de uma Psicóloga gaúcha que vivenciou “Médicos Sem Fronteiras (MSF)”, tendo participação importante nas prisões do Quirgui; na catástrofe do Haiti; na República Democrática do Congo; e em um campo de refugiados do conflito na Líbia, quando foi recrutada para o Quirguistão. Antes, trabalhou no Fórum Social Mundial de 2005 e, depois, instalou o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em duas cidades do interior de Pernambuco.
No entanto, foi em Aracaju-Sergipe onde morava que os MSF, em setembro de 2008, telefonou para ela e disseram que havia uma missão a ser cumprida, ou seja, atuar em um furacão em Gonaives, no Haiti, onde havia muitas pessoas feridas. Ela, então, desistiu do que estava fazendo e atendeu ao chamado do MSF.
Após algumas experiências, confessou o quanto é difícil lidar com os atingidos por catástrofes, pessoas que falam muito pouco mas que, corporalmente, são muito expressivas e que, compreender os códigos de sofrimento (consignas) que o outro está passando, é necessário tempo. Na sua décima “missão” já estava ficando mais rápida para percebê-los, além da forma como cada um se revelava com a palavra e/ou com a expressão corporal. O atendimento urgente foi uma preocupação porque, na catástrofe, urgência tem um significado especial. Na sua experiência no Brasil, a urgência era do outro. Mas, quando o Psicólogo está em uma catástrofe, a urgência também é dele, porque também está sob o efeito da catástrofe.
Ela assinala que quando uma pessoa que vivenciou ou vivencia um desastre lhe pergunta o que deve fazer a sua resposta é sempre a mesma, ou seja, que, infelizmente, não pode ajudá-la a esquecer a catástrofe mas pode ajudá-la a lembrar o evento com menos sofrimento. Para ela, isto é possível através de algumas técnicas de psicologia, um pouco de tempo e muito do desejo do outro de querer elaborar o evento que vivenciou. Ressalta que o profissional começa a perceber que a consigna do sofrimento não precisa de muitas palavras, porque a pessoa atingida está em estado de choque e tem muita dificuldade para se expressar através de palavras. Normalmente, a expressão se dá através do corpo, do olhar, da forma de levantar o pescoço, de gesticular.
Na missão no Congo, esta Psicóloga atendeu a mais de 200 adultos, crianças e adolescentes (do sexo feminino) que foram violentadas, mutiladas, num espaço de um mês e meio. Utilizou a dança como terapêutica e observou que as mulheres dançavam numa roda e cada uma contava a sua história, chorava, abraçava as outras e todas continuavam contando as suas histórias. A dança mostrou que o sofrimento existe, a dor é frequente e permanente, mas quando se está no coletivo tudo é dividido. Ficou convicta de que é difícil para um profissional ou voluntário sair de uma situação desta, pois o sentimento é o de que não fez nada pelas pessoas ou que ainda havia muita coisa para ser feita. Lembra, por exemplo, que, normalmente, depois de um estupro, no Congo, uma mulher não pode mais casar porque não é mais virgem. Está “suja”. Um trabalho que realizou neste sentido foi mostrar aos homens que a mulher não fica “suja”, sendo necessária a revisão de algumas estruturas da respectiva cultura e isto exige tempo. Em 2010, quando retornou ao Congo, para sua surpresa, todas as mulheres que havia atendido (que foram estupradas) se casaram, reinventaram uma forma de viver e estavam felizes. Conseguiu, assim, ver o resultado positivo do seu trabalho e das equipes que ali atuaram. A missão no Congo foi a mais dura porque os MSF eram a única Organização que estava lá, sendo 14 homens e ela como a única mulher.
Após cada vivência deste tipo sente necessidade de voltar para sua casa, de descansar porque, na missão, o Psicólogo (e/ou outros profissionais e/ou voluntários) não sente que está cansado porque a sua química corporal está alterada e o cansaço só é percebido quando o sono toma conta do corpo. Em casa pode ficar sozinha, revisitar registros, fotos, filmagens, imagens gravadas, coisas que escreveu sem modificar por entender que o que escreveu já está escrito e a ajuda a elaborar a sua vivência. Faz terapia todos os dias para se preparar para a próxima missão com a compreensão de que não é o evento em si que causa a dor mas o significado que a pessoa dá a ele.
Confessa que tudo tem ficado mais claro para ela, especialmente a relação com o lado material, que passou a fazer menos sentido porque, em certas situações de catástrofes, pode-se ter o dinheiro e não conseguir comprar nada. As coisas dão uma sensação de paz, mas é apenas isto, não é a paz, não é a saúde, não é a riqueza, mas uma sensação de tudo isso, que pode ser destruída rapidamente. Assim, depois de vivenciar o limite do humano, mudou o seu modo de pensar sobre beleza e estética porque, em cada lugar onde esteve, a sensação de percepção da estética e da beleza foi diferente. Cita que em Masisi (Congo), as pessoas têm os dentes bem separados e elas os serram para ficarem mais separados e lá, uma mulher muito bonita pode ser bem alta, bem gorda, com dentes bem separados e com tranças.
Das nove missões das quais participou, apesar da percepção do sentimento do nada pela frente, o pedido de ajuda através do olhar dos atingidos suplicava a metamorfose do sofrimento em vida, em felicidade, que podia ser até mesmo um grupo de dança, uma caminhada coletiva, um abraço. Neste último caso, cita que uma mulher de 70 anos disse que ninguém nunca havia lhe dado um abraço (ela tinha sido estuprada e seu corpo era todo arqueado, enrijecido), então, a Psicóloga a abraçou por entender que o afeto transmitido através do abraço, do toque, pode, sim, fazer uma grande diferença porque quando as pessoas têm, pelo menos, 1h de intensa felicidade, um sentimento bom de acolhimento já é terapêutico.
A Psicóloga aborda, também, a questão da solidão ao dizer que nas primeiras duas missões se sentia solitária, com necessidade de contar detalhes da sua vivência mas os outros só queriam ouvir até certo ponto porque o sofrimento, a angústia, são desconfortáveis. No momento do relato já revelava compreender que essas pessoas não escolheram o mundo que ela escolheu. Assim, ela não tinha o direito de forçá-las a viver o mundo dela porque escolheram a alienação, e esta, segundo ela, também traz felicidade porque as pessoas que não foram lá não sabem sobre as penúrias e desgraças que ocorreram. O que sabem é que seus filhos estão alimentados, dormindo, portanto, com sentimentos diferentes dos dela que escolheu vivenciar desastres, viver a sensação de ter muita gente dentro dela, de ser muitas mulheres, de estar plena de história, plena de tudo.
O terceiro exemplo, que ainda se refere ao “durante” o desastre (mas que pode, também, ser relacionado com o “após” um desastre), trata do acompanhamento para reconhecimento de vítimas e foi apresentado por Ramirez (2011), que defende que esta é uma tarefa na qual o Psicólogo, ou outro profissional da saúde, acompanha os familiares para o reconhecimento de cadáveres (corpos ou partes de corpos) que forem encontrados. Lembra que no Peru aconteceram três desastres de grande impacto nacional e que os psicólogos ofereceram apoio emocional aos familiares que participaram do reconhecimento de vítimas; constituíram um corpo de proteção emocional a cargo dos profissionais de saúde mental; e ofereceram aos familiares das vítimas auxílios básicos de saúde mental no começo do processo de luto.
A partir de sua experiência, recomenda que as famílias que identificarão corpos em situações de desastres devem ser orientadas quanto ao que poderão encontrar, incluindo o cenário ao qual serão expostas. O processo de acompanhamento consiste em uma aproximação emocional e também física, daí a importância de, por exemplo, segurar no ombro do familiar durante o percurso; permitir-lhe a expressão dos seus sentimentos; ser compassivo, especialmente com aqueles que não encontraram ou não reconheceram os corpos e que passaram a viver um “luto” prolongado.
4.3 APÓS O DESASTRE
O “Após” um desastre corresponde às ações de Reconstrução de médio e longo prazo, quando são realizados: restabelecimento de serviços essenciais (água, luz, comunicação e transporte); avaliação de danos; e, nas áreas mais afetadas, reconstrução das estruturas danificadas ou destruídas. (Marcelino, 2008).
Ventura (2011) considera a etapa pós-emergencial de suma importância por continuar trabalhos já iniciados “Durante” o desastre, tais como: gestão e administração dos efeitos do desastre; materialização de planos de reconstrução; acompanhamento das pessoas afetadas; atendimento às pessoas que continuam necessitando de assistência. Esta autora ressalta que, após um desastre, o acompanhamento e as demais ações devem estar focados no retorno das pessoas a sua vida normal. Valoriza o acompanhamento e assinala que ele poderá perpassar três níveis de proteção, sob a ótica da assistência social: proteção social básica, por meio das equipes dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS); proteção social especial de média complexidade, mediante os Centros Especializados de Assistência Social (CREAS); proteção social especial de alta complexidade, por meio de abrigos e instituições de longa permanência. Assim, esta autora segue a Política Nacional de Defesa Civil Brasileira (Brasil, 2010), a qual preconiza que a reconstrução abrange um conjunto de ações destinadas a reconstruir a(s) comunidade(s) atingida(s), propiciando o seu retorno à condição de normalidade, sempre levando em conta a minimização de novos desastres.
De acordo com Silveira (2011), após um desastre, as políticas públicas se unem para atender, de forma eficiente e eficaz, às pessoas afetadas. É nesse contexto que a psicologia se insere promovendo ações que otimizem o tempo; criando uma rede de informações; facilitando a transmissão de dados importantes sobre a realidade das pessoas afetadas; dando referências e possibilitando a reorganização social e psíquica de cada um e do coletivo (rede de suporte social); participando da reabilitação das casas, dos espaços comunitários, da comunidade, da criação de uma rede de atendimento para prevenir problemas comuns após os primeiros meses da tragédia (como o Transtorno de Estresse Pós Traumático, o uso abusivo de álcool e drogas, entre tantos outros paliativos nocivos que o ser humano utiliza como meio de lidar com a sua dor, a sua angústia, os seus medos).
Com a intenção de que o processo de reconstrução seja também um momento para a prevenção, é preciso considerar quais os riscos que devem ser gerenciados e previamente mapeados para que outros desastres sejam evitados. A psicologia pode contribuir na reconstrução pós-desastre e articular saberes, ao facilitar a escuta das organizações e instituições envolvidas com relação às demandas e opiniões das comunidades afetadas. (Brasil, 2010).
Assim como não há ações padronizadas para serem desenvolvidas durante um desastre não há, também, após um desastre. Deste modo, será apresentado um resumo do papel do Psicólogo como operador de emergências e desastres, relatado por Silveira (2011). Esta Psicóloga refere que sua vida mudou depois que um Município localizado no extremo oeste catarinense, que faz divisa com o Paraná e com a Argentina, e no qual trabalhava no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), foi atingido por um tornado, com ventos que passaram de 200 km por hora. Em decorrência, quatro pessoas morreram e mais de 1.000 (de uma população total de, aproximadamente, 10.600 habitantes) ficaram com suas casas e propriedades rurais destruídas.
Embora tenha atuado entre setembro de 2009 a março de 2010 nas áreas atingidas pelas enchentes, não se colocou apenas como profissional mas, também, como afetada pelas enchentes, por morar no Município e trabalhar na reabilitação, na organização e na continuidade do processo de retomada do cotidiano da população.
Diante do monte de entulhos que se formou onde antes era o lar de mais de 120 famílias, que perderam bens materiais, filhos, esposa, netos, irmãos, cunhados, colegas de aula, muitas vidas ficaram marcadas pela tristeza, apatia, desilusão, raiva, culpa, incerteza, medo de que o desastre acontecesse novamente e esperança de que o sol resurgisse para secar a roupa e as lágrimas, resgatar a dignidade de um povo sócio histórica e culturalmente habituado à lida diária no campo, a ter nas mãos as marcas do trabalho na lavoura e na criação de animais.
Naquele momento, a psicologia, como campo de atuação comunitária e de desastres, iniciou a intervenção para que as famílias atingidas pudessem receber alimento, água e roupa seca. A escuta, o tempo para simplesmente ouvir e mesmo o silêncio do encontro foram essenciais. Inúmeros contatos foram realizados, várias instituições se colocaram à disposição, profissionais se apresentaram como voluntários, muita solidariedade por parte de psicólogos e assistentes sociais, não somente da região do extremo oeste catarinense mas de todo o país.
Sob a coordenação dos profissionais do CRAS, um grupo de São Paulo que cursava especialização em Psicologia dos Desastres se prontificou a ir para o Município. Utilizaram terapia em sessão única, trabalho de grupo com as escolas, com pessoas de diferentes faixas etárias e, ainda, preparação dos profissionais e voluntários que atendiam às pessoas atingidas. Assim, começou a vislumbrar um novo fazer: o fazer da Psicologia Comunitária, agregado ao fazer da Psicologia de Emergências e Desastres. Novo em todos os aspectos, inclusive teórico, uma vez que, no Brasil, pouco se tinha notícia de desastres naturais de tamanhas proporções.
A Psicologia de Emergências e Desastres se fez presente em função da demanda que se apresentou a cada momento, a cada nova situação: transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), que foi o mais frequente; negação da nova condição de vida e de existência; quadros depressivos e ansiosos; vontade de acabar com a própria vida; sensação constante de impotência, especialmente por parte dos homens, os quais, culturalmente, naquela sociedade, aprenderam desde cedo que são os responsáveis pela estabilidade, principalmente financeira, da sua família.
Após o primeiro momento de apatia, de desorientação, veio a fase de desespero, quando as emoções permaneceram até o seu esgotamento. Foi nesse momento que, simbolicamente, as pessoas vivenciaram o “luto” do que foi perdido, o que foi de extrema importância para o processo de elaboração da vivência traumática. Em seguida, veio a sensação de culpa por não terem evitado a situação trágica. Naquele momento, como as situações não estavam sendo bem administradas (demora das respostas, burocracia na liberação de recursos etc), foi difícil a efetivação das ações, provocando um clima de apreensão, no qual o estado de alerta e o corpo pronto para se defender causaram inúmeras dores físicas e emocionais, denominadas doenças psicossomáticas, as quais afetaram todos os envolvidos direta e indiretamente.
A Psicóloga relata que após um mês de trabalho parecia que nada havia sido feito perante as comunidades devastadas pela força do vento e da chuva forte. No entanto, as reuniões organizadas pelos governantes do Município contribuíram para o processo de retomada do sentimento de comunidade. A maioria das pessoas atingidas verbalizou a vontade de que uma parcela dos recursos da Defesa Civil fosse investida na reabilitação dos clubes e das igrejas, espaços vistos como redes sócio assistenciais para ajudar os moradores a não abandonarem as propriedades, para reafirmar laços de comunidade entre as famílias atingidas, compartilhar emoções, tomar decisões coletivas e realçar o sentimento de pertencimento ao local.
Este sentimento de coletividade permitiu a retomada do processo de organização de grupos de terapia, composto de 26 alunos de uma Universidade Comunitária Regional, oito psicólogos da região e dois psicólogos vinculados à Prefeitura. A partir daí, foram organizados 27 grupos (de crianças, de adolescentes, de mulheres, de vizinhos, de idosos, entre outros) que se reuniam sexta-feira e sábado, cada um com a sua dinâmica de funcionamento. Conforme os grupos iam acontecendo, voluntários e psicólogos, também coordenados pelos dois psicólogos do CRAS, iam atendendo às pessoas com necessidade de assistência psicoterápica individual.
Assim, estagiários, voluntários, supervisores de estágio e a equipe de psicologia do CRAS redesenharam uma nova história para a inserção da psicologia no Município. Nos grupos eram trabalhados temas e sentimentos trazidos ou que emergiam após uma dinâmica. A psicologia teve papel importante para iluminar algumas ideias, sugerir novas formas de trabalho para a equipe, lembrar que um novo dia de sol era possível. Muitas histórias foram ouvidas atentamente, buscando fazer com que aquele momento fosse, realmente, de elaboração emocional da vivência e não de revitimização. A atuação dos psicólogos e das equipes de saúde mental foi fundamental pois implicou na estruturação das atividades de atenção primária em saúde que, por mais de 12 meses, manteve os grupos de vivência, as visitas domiciliares e, ainda, quando necessário, encaminhamento para a psicoterapia, ou seja, para uma rede de atenção após desastre, criada e mantida para acolher e atender à população. Aproximadamente um ano e meio após a tragédia, estava claro o quanto a ação da psicologia foi importante para as pessoas, para as famílias e para a sociedade.
5 A INTERFACE DA PSICOLOGIA COM A DEFESA CIVIL
A interface da psicologia com a Defesa Civil vem sendo construída, no Brasil, há alguns anos, especialmente através da produção de conhecimentos sobre o tema, o que vem sendo possível porque, desde 2005, a Secretaria Nacional de Defesa Civil (SNDC) estimula organizações que se dedicam aos desastres.
O documento Brasil (2010) informa que a Defesa Civil no Brasil está organizada sob a forma de sistema, o Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC), e consiste em um conjunto de ações de prevenção e de socorro, assistenciais e reconstrutivas, destinadas a evitar ou minimizar os desastres, preservar a integridade física e moral da população, bem como restabelecer a normalidade social. O SINDEC prevê: avaliação de riscos de desastres e a preparação de mapas temáticos relacionados com ameaças, vulnerabilidades dos cenários e com áreas de risco intensificado; promoção de medidas preventivas estruturais e não estruturais para reduzir riscos de desastres; elaboração de planos de contingência e de operações, objetivando a resposta aos desastres e de exercícios simulados, para aperfeiçoá-los; treinamento de voluntários e de equipes técnicas para atuarem em desastres; articulação com órgãos de monitoração, alerta e alarme, com o objetivo de otimizar a previsão de desastres; organização de planos de chamadas, com o objetivo de otimizar o estado de alerta na iminência de desastres.
Este documento revela que a I Conferência Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária apresentou mesas e palestras sobre saúde mental em várias frentes e, também, acerca da mobilização social para a prevenção de desastres, considerando a participação da psicologia, uma vez que psicólogos e outros agentes que integram o SINDEC devem atuar tanto na preservação da saúde mental das pessoas em situações de desastre quanto na garantia da proteção e da segurança. É consenso que a atuação deve ser multisetorial e ocorrer de forma integral, nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), a partir de uma ampla participação comunitária.
Ressalta ainda que, no Município, ambiente mais próximo dos desastres, podem ser considerados como atores sociais estratégicos: Prefeito, Secretário Municipal de Saúde, Presidente de Associação de Amigos de Bairro, Presidente de Associação Comercial e Comunitária, diretores de escolas, benzedeiras, representantes de entidades profissionais, representantes de conselhos tutelares, agentes de saúde, entre outros. É possível, ainda, mobilizar crianças, jovens, idosos, mulheres, todos atuando de acordo com os seus perfis e características pessoais. A identificação dos sujeitos sociais, dos seus respectivos perfis e dos recursos disponíveis pode resultar na mobilização e articulação em rede e no registro destes atores de acordo com a capacidade de mobilizar os recursos e de interferência no desenvolvimento das ações. A identificação e a mobilização dos atores precisam garantir a integração entre eles uma vez que antes atuam no mesmo território mas isolados, e, depois, passam a atuar conjuntamente, construindo práticas alternativas na forma de gestão. A mobilização desses atores possibilitará a articulação necessária para promover a sustentabilidade e a eficácia de programas em Defesa Civil. Portanto, é fundamental a identificação dos agentes locais e a sua preparação para a continuidade das ações de forma participativa.
Os psicólogos, segundo o documento citado, são profissionais relevantes no processo de sensibilização dos atores sociais sobre a redução de riscos de desastres e a importância de se integrarem nas ações de Defesa Civil. Para tanto, é necessário criar espaços de encontro onde sejam abordados temas relativos à cultura de redução de riscos, ampliando a percepção de risco das comunidades. A sensibilização caracteriza-se, portanto, pela produção coletiva de conhecimento sobre redução de riscos de desastres e sobre as vulnerabilidades frente aos riscos. Para estimular a ampliação do olhar dos atores sociais sobre o risco, o Psicólogo pode propor saídas de campo para: caminhar pela comunidade; exercitar o “olhar”, buscando registrar por meio de imagens (fotografias, desenhos, imagens mentais) a realidade da comunidade, que representarão as percepções dos atores sobre o contexto em que estão inseridos; realizar perguntas sobre o que observam, sentem, o que há de novo que não haviam visto antes e quais os riscos visíveis.
Finalmente, o documento ressalta que, após o desastre, vem a fase de desmobilização, quando os profissionais e, especialmente, os psicólogos já identificaram o grau de envolvimento no conflito, tanto dos atingidos como das testemunhas presenciais, das equipes de saúde e emergência, equipes de resgate e voluntários, e, também, da rede de suporte no Município. Todos os recursos empregados devem ser desmobilizados a partir de planejamento gradual, proporcional à reabilitação dos cenários afetados. Esse é um momento de transição dentro da fase de recuperação e reconstrução, quando o Psicólogo pode atuar a partir de ações que previnam, fechando o ciclo das fases: prevenção e preparação, resposta e reconstrução.
CONCLUSÕES
Este ensaio trata da psicologia de emergências e desastres, considerando alguns dos seus principais marcos como o uso da tecnologia na investigação científica no âmbito da prevenção e controle de desastres; a proclamação da Década Internacional para redução de risco em desastres; o estabelecimento da Estratégia Internacional para Redução de Desastres (ISDR); a participação do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) junto à Secretaria Nacional de Defesa Civil (SNDC); a aproximação da psicologia da política pública de defesa civil, em especial no âmbito da saúde mental, em situações de crises; a busca pela construção de referências de atuação desta área em situações de emergências e desastres; a realização de eventos que fortaleceram a ação da psicologia e de psicólogos em situações concretas como o atendimento às pessoas atingidas pelas enchentes que ocorreram nas regiões sul e sudeste do Brasil e que continuam acontecendo no Brasil.
Apesar de prevalecer a “imagem” do Psicólogo como clínico, em situações de emergências e desastres o perfil do Psicólogo relaciona-se com a etapa da emergência na qual intervém para além de espaços institucionais, respeitando as diretrizes previstas para o antes (ações de prevenção e de preparação), o durante (ações de resposta ao desastre propriamente dito) e o após o evento (ações de reconstrução acompanhadas com as de prevenção).
Em todas essas fases é importante a participação da psicologia junto à defesa civil e a outras organizações envolvidas como foi apresentado através de resumo de relatos relacionados com Psicologia Sem Fronteiras, Médicos Sem Fronteiras, além da ação da psicologia no reconhecimento de vítimas. Apesar da não padronização de atividades a serem desenvolvidas pelos psicólogos durante um desastre e da constatação de que ainda há muito por construir nesta área, especialmente no que diz respeito a maior inserção dos psicólogos nas diferentes fases do desastre, experiências como as que foram relatadas neste ensaio podem contribuir para o processo de construção de referências, redesenhando, assim, uma nova história para a inserção efetiva da psicologia em situações de emergências e desastres naturais.
REFERÊNCIAS
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